6 de mar. de 2011

Serviços Médicos - ontem e hoje (lembranças) parte 1

Os comentários que venho fazendo neste blog estão em sua grande parte alicerçados naquilo que vi, vejo, percebo, e não em pesquisas teóricas ou históricas, embora que de teoria e história eu até saiba um pouco. Mas prefiro falar do que vi, percebi e fui paciente ao longo da minha vida. Isto aqui é um depoimento baseado na experiência pessoal, e não uma pesquisa.
O título que dei ao meu blog a Hipocondríaca tem sua razão de ser e precisa se auto-justificar.

A minha primeira imagem do médico vem da minha infância, de um homem alto, meio desingonçado, que gostava muito de uma branquinha, e por isto, muitas vezes aparecia na casa de seus pacienes um pouco mais alegre que deveria ser, eque exercia a medicina numa cidade de 5.000 habitantes sem apoio de laboratórios, instrumentos especiais ou máquinas, etc. Aplicava ele mesmo as injeções que receitava, e fazia curativos, e acompanhava entre um café e um drink, ou uma bolachinha feita em casa, a evolução de pacientes graves ou em estado terminal. Era assim, meio que científico e meio que empírico, tratava-se o paciente com banhos para baixar febre, compressas para dores, bolsas de água quente para amenizar dores, chás de toda espécie. Era o olho clínico, a observação, o esforço, a vontade de ajudar, a dedicação à medicina. Pouca retribuição financeira, muito agradecimento feito de afeto, e também de presentes. O dinheiro era escasso naquela população de 99% pobres, e miseráveis, e este povo dava ao médico o que tinha - reconhecimento, agradecimento e presentes de produtos in natura - tipo mantimentos, animais vivos.

Então o médico da cidade pequena, além do imenso sacrifício e dificuldades para atender aquela população, era simplesmente retribuído por gêneros de primeira necessidade, como arroz, feijão, leite, ovos, carnes, verduras, e dinheiro mesmo era muito pouco - o que lhe dificultava inclusive comprar equipamentos mais modernos para atender mais cientificamente aquele povo. Entçao, o medico era aquela figura reverenciada, amada, respeitada, e buscada para tudo, desde para socorrer os doentes, como para dar conselhos e participar de festas familiares e sociais.

O médico de sua parte, diante de tanta precariedade de recursos técnicos, fazia o que podia, enfrentava doenças que ele não conhecia e muitas que embora conhecendo não tinha os medicamentos necessários ao alcance para fornecer aos seus clientes.

Lembro-me por exemplo que quando criança eu tomava muita penicilina - era um medicamento de ponta, tinha sido lançada exatamente na década de meu nascimento. Bom, para tomar tão importante medicamento, meu tio que era gerente dos Laticínios Aviação e do Banco Itau, mandava ir de São Paulo, mas as pessoas em sua maioria ainda não tinham condições de comprar tão milagroso medicamento, surgido na década de 40.

Quando eu tinha por volta de 12 anos, mudei-me para uma cidade um pouco maior, já com 10.000 habitantes (Sta. Rita de Cássia - MG). Ali então já contávamos com 3 médicos, mas a precariedade de recursos de laboratórios e exames especiais, continuava a mesma coisa. O médico continuava, usando os instrumentos básicos, tais como o termômetro, o medidor de pressão arterial, balança para pesar os pacientes, e olho clínico, muito olho clínico, e mãos treinadas para apalpar, ouvidos para ouvir, e atenção. Logicamente que devido a precariedade, doentes graves acabavam falecendo por falta de medicamentos especiais e recursos técnicos para diagnósticos.

A minha cidade natal, não tinha nem hospital - Santa Rita de Cássia, já tínhamos a Santa Casa, onde as pessoas eram atendidas, e feitas já algumas cirurgias - acredito que a Santa Casa tivesse laboratório, entretanto, não era costume dos médicos estar mandando clientes ambulatoriais para exames de rotina, tais como hemogramas etc. Ah, tínhamos o posto de saúde, que fazia já na época exames de fezes, e sangue para Machado Guerreiro e Sífilis. Estas eram as doenças mais temidas na época.

Estes médicos atendiam em suas próprias casas. Nada de consultórios sofisticados, era uma sala dentro de suas próprias casas - hoje fico pensando que embora barateasse o custo do exercício da medicina, expunha muito o médico e sua família a riscos de contaminações com doenças mais sérias. Entretanto, pelo menos nestas duas cidades era assim que as coisas funcionavam.

Mas ainda, em Santa Rita de Cássia, o médico financeiramente tinha pouco respaldo. Mas, eles tinham o apoio da prefeitura, que pagava parte dos custos de atendimento à população mais pobre, ai então, o médico atendia em um posto de saúde de instalações super precárias.

Em 1961, tive meu primeiro contato com ambiente hospitalar. Devido a um problema, que nunca ficou muito claro na minha cabeça, eu comecei a perder peso e ter sangramentos menstruais de longa duração, e entrei num estado de anemia e fraqueza. Incialmente, minha mãe, levou-me a Franca SP, num médico de nome Jarbas Spinelli, que me medicou, mas deixou minha mãe alarmada, dizendo que eu tinha ANEMIA PERNICIOSA e que como ela ja tinha perdido vários filhos com estes sintomas, perderia mais uma. Então, minha mãe, levou-me a S. Sebastião do Paraíso, onde fui atendida em ambiente hospitalar por um tal de Dr. Urias. Naqule hospital eu fiz os meus primeiros exames de sangue e de urina, (coisa que nunca tinha feito), eu estava com 15 anos.
O diagnóstico do Dr. Urias não ficou longe do diagnóstico do Dr. Jarbas, mas ele foi mais efetivo - receitando-me inicialmente, vermifugos, e logo a seguir iniciei tratamento com injeções de Ostelin Cálcio B12, e uma sequência de injeções Betanutrex, e recomendado o reforço alimentar com muita folha verde e fígado de vaca.

Bom, contei minha estória, para chegar onde eu quero - ou seja, comentar que, há 50 anos a medicina era exercida de forma precária e quase como um sacerdócio, pois financeiramente, nas pequenas cidades não era compensativa, e acredito que hoje em cidades do interiorzão, cafundóz do Sertão do Brasil, as coisas ainda funcionam assim - quase que da mesma forma que eu vi na minha infância, poucos recursos de equipamentos, de laboratórios e nenhuma estrutura hospitalar nas quais os médicos destas regiões possam se apoiar para exercer uma medicina moderna e avançada, tal qual vemos em cidades grandes e no mundo.

Mas, em 1963, mudamos para Franca SP, cidade já na época industrializada, muitas fábricas de calçados, curtumes (com descarga dos detritos industriais tóxicos tais como o sulfureto dos curtumes e colas das fábricas, a céu aberto, o que atingiu em muito a saúde das pessoas, inclusive a minha), mas a cidade então já contava com uma estrutura melhor de atendimento médico, com 2 hospitais, laboratórios de análises clinicas, radiologia, posto de saúde, e alguns médicos especialistas (não tantas especialidades como existem hoje) mas algumas: cirurgiões, urologistas, cardiologistas, ginecologistas, otorrinolaringologistas, dermatologistas, eram as especialidades principais da cidade de Franca, mas já era muito melhor que a existentes nas minhas cidades de origem em Minas Gerais.

Em Franca então, já existia sistemas de vacinas para algumas doenças, tais como varíola, tuberculose, e abreugrafia obrigatória para escolares e trabalhadores da indústria e comércio. Entretanto, outras vacinas como poliomielite, sarampo, caxumba, etc, somente tomava quem tinha dinheiro para pagar a importação. Meus primeiros filhos que nasceram entre 1965 a 1969, por exemplo, não receberam estas vacinas. Receberam tão somente da tuberculose no berçario e depois mais tarde da varíola, que de fato não os protegeu e pegaram anos depois a varicela. Todos os meus filhos tiveram imunização ativa - ou seja, sofreram a doença para estarem imunizados, (sarampo, caxumba, coqueluche, e mesmo vacinados,tiveram varicela).

Em 1969, foi o Bum médico em Franca, surgiu o INPS - INSTITUTO NACIONAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL, junção dos vários IAPS, feita então pelos militares.

A partir deste momento é que o povão, os menos favorecidos em Franca, e até no Brasil, começaram a ter acesso a um atendimento médico mais ampliado, e possibilidade de prevenção de doenças, tais como tuberculose e doenças sexualmente transmissíveis e também uma assistência mais efetiva a partos e cuidados com a primeira infância.

Naquela época, para os médicos que viviam quase da boa vontade da retribuição de seus pacientes, e lógico de atender os ricaços (pois o que seria dos médicos se não existissem os ricaços para serem tratados?) mas que a maior parte do tempo trabalhavam na contra-mão de recursos efetivos para o exercício da profissão, o advento do INPS foi a glória. Todo médico queria ser funcionário ou credenciado do INPS (diferente de hoje, que nenhum médico quer mais trabalhar para o INPS). Eu fui funcionária do INPS neste período e responsável pelo credenciamento de médicos e hospitais e pagamento das contas médicas e vi de perto todo este reboliço da época, participei como paciente e como autora, ou seja a credenciadora e coordenadora de serviços médicos já na região de Osasco SP). Tudo neste mundo novo de INPS era precário ainda, com poucos funcionários para o atendimento e dinheiro minguado enviado pelo governo, mas maravilhoso se comparado com o antes e depois do INPS. Antes, a população mais pobre não tinha nenhum acesso a recursos médicos, eram dependentes da boa vontade de médicos e da capacidade das SANTAS CASAS fazerem o atendimento. Estas Santa Casas, ligadas a igreja católica, estavam espalhadas em todo o Brasil e davam assistência à população carente, através de ambulatórios com pouca estrutura física e de higiene mínima, e através de médicos mantidos por prefeituras e fazendeiros das regiões. Nestas Santas Casas existiam as enfermarias com cerca de 20 camas em cada quarto (salões enormes chamados de quartos ou enfermarias gerais), onde uma enfermeira circulava atendendo a todos como podia. Quartos individuais eram reservados a pessoas de posses, tais como fazendeiros, comerciantes e industriais, que em sua maioria eram MANTENEDORES DESTAS SANTAS CASAS com contribuições mensais ou anuais em dinheiro.
Outra situação em que os pacientes eram tratados em quartos individuais era quando o médico desconfiava de doença tramissível como lepra, tuberculose e doenças viróticas. Estas pessoas sim eram levadas a quartos chamados de isolamento. E quando morriam estes quartos ficavam fechados e eram descontaminados através da queima de formol - colocava-se o formol em uma lata e fechava tudo, vedava até as frestas das janelas e deixava aquela fumaça dentro do quarto por horas para a desinfecção - acreditava-se que isto deixava o ambiente limpo. Será?

Com o advento do INPS, quem pagava a previdência, principalmente, os trabalhadores da indústria e comércio, passaram a ter um atendimento melhorado, em enfermaria de no máximo 5 camas, esta era a exigência do INPS para credenciar um hospital. E o médico credenciado podia atender no máximo 20 pessoas por dia em consultório.

Mas, mesmo com o advento do INPS, o atendimento do governo na área médica continuava deixando a desejar, pois somente grandes cidades, de fato, foram agraciadas com um posto de INPS, credenciamento de hospitais e médicos - cidades no Estado de S. Paulo, como Franca, Barretos, Campinas, Ribeirão Preto, Jundiaí, Sorocaba, Piracicaba, e outras de densidade demográfica semelhante e indutrializadas, receberam postos do INPS, mas as cidades pequenas de S. Paulo, a periferia das capitais, e as cidades dos cafundóz do Sertão brasileiro, continuaram todos na mesma carência de assistência médica efetiva. Não sei como as coisas aconteceram em outros Estados, aqui estou prestando um depoimento do que vi, participei e senti como pessoa, e paciente.

Vou parar por aqui, pois estou cansada. Antigamente, eu era capaz de datilografar 50 páginas por dia, hoje, 10 páginas me deixa exausta, dói o braço, as costas e preciso parar. Este é o efeito do envelhecimento, perde-se tudo, mesmo que o cérebro continue sendo capaz de pensar e criar, o corpo se torna incapaz de executar.

PENSEM NISTO E PREPARAREM-SE PARA O FUTURO.

AMANHÃ EU VOLTO NESTE MESMO ASSUNTO E PROCURAREI CORRIGIR OS ERROS DE DIGITAÇÃO DESTE TEXTO.. HOJE, DEIXEMOS ASSIM.

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